sexta-feira, 17 de abril de 2009

SUMIRAM OS FANTASMAS ? ERA TÃO BOM O TEMPO EM QUE EXISTIA FANTASMA !

Nasci e fui criado em cidades grandes, com iluminação pública, bastante luzes pelas casas e seus quintais. Mas tinha fantasma. Ora se tinha, pelo menos na boca das empregadas, normalmente originadas de pequenas cidades do interior, onde teriam visto coisas do "arco da velha", que eram passadas às crianças como eu, e que acreditavam piamente nessas histórias, muito mais que naquelas contadas por mães, avós e tias, na base de Branca de Neve, Chapéuzinho Vermelho, o Pequeno Polegar e outras lorotas pouco convincentes da espécie.

Eu gostava mesmo era do homem que foi enterrado vivo e saía do cemitério todas as noites para assombrar a quem encontrasse pelo caminho. E tinha a noiva que morreu no dia do casamento e fugia da tumba, paramentada, para buscar o noivo. Isso sem falar também na velhinha que foi maltratada pelos netos e depois de morrer voltava para assombrá-los. Eu ouvia aquelas histórias todas, quase sem respirar ou piscar os olhos, sempre pedindo que contassem mais uma. Minha mãe, quando dava um flagrante na conversa, dizia : " Parem com essas bobagens pois as crianças acabam ficando com medo na hora de dormir ! " . Mas o repertório era inesgotável e eu adorava, principalmente daquelas que tinham sonoplastia, cheias de gemidos, gritos de dor e aqueles assustadores úúúúúúú, próprios do idioma dos fantasmas.

Na hora de dormir, em plena Copacabana, morando num sobrado, meu quarto com a janela dando para uma enorme árvore na calçada, eu variava meus temores : ou ataque de índios, que pulariam de um galho direto para meu quarto, ou os fantasmas que costumava divisar a cada ligeiro balanço das folhas, provocados pela brisa da noite.

Só havia uma solução para a terrível angústia. O lençol ou a colcha, dependendo do calor, tinham que cobrir a cabeça, assim "eles" não me veriam, até que o sono me vencesse finalmente.

Como já falei aqui , tinha o negócio das férias na casa do meu avô paterno em Salvador. Para mim, a velha Mouraria era uma espécie de paraíso dos fantamas. Como se não bastasse a construção antiga, a existência de uma capela totalmente montada ( e quase sempre trancada ) na casa, ainda havia montes de relógios carrilhões, cujas horas eram apregoadas sempre com uma pequena diferença de tempo entre eles. E haveria algo mais tétrico que relógio carrilhão fazendo soar as horas à noite ? um horror. Mas não posso esquecer que os velórios da família eram sempre realizados no salão nobre da residência, com uma coroa negra pendurada na porta principal, para a vizinhança toda tomar conhecimento de que ali estava sendo velado um morto. Pronto, melhor cenário para um caprichado filme de terror não poderia existir.

E, engraçado, num processo talvez parecido com aqueles em que as crianças gostam das montanhas-russas, sentem um medo-gostoso, eu bem que curtia a sensação de que, de repente, poderia topar com um fantasma. Alguém, talvez uma tia, não me lembro, se apiedou das minhas noites aflitas e deu uma preciosa dica : " Os fantasmas todos voltam para os seus túmulos quando dá meia-noite ! ". Foi uma bela novidade, eu ficava, ouvindo atento os pom, pom, pom , até que todos os carrilhões concluíssem sua missão e aí eu já poderia dormir lépido e fagueiro. Pois é, o tempo passa e outro dia veio aqui em casa um garotinho, com uns três ou quatro anos . Bateu uma porta ou algo assim e ele começou a chorar. Fui socorrê-lo : " o que foi ? " " Estou com medo " . " De fantasma, perguntei, lembrando dos velhos tempos . " " Não, de monstro ! " . Pois foi quando me caíu a ficha : acabaram os fantasmas e vieram os monstros . Eu que ando mesmo meio defasado ...