quinta-feira, 23 de abril de 2009

AINDA O NELSON RODRIGUES


Ontem me declarei fortemente influenciado por Nelson Rodrigues e alguns dos meus raríssimos leitores se manifestaram a respeito, por considerarem o jornalista, dramaturgo e teatrólogo Nelson Rodrigues uma personalidade, no mínimo, muito mal resolvida, cabendo cautela em tê-lo como um bom formador de princípios .

Olha, quem sou eu para pretender discutir, com alguma substância, a vida e a obra de Nelson Rodrigues ? sugiro a todos que leiam a sua biografia, contada esplêndidamente por Ruy Castro em O Anjo Pornográfico. Creio que dessa leitura não há quem saia pelo menos simpatizando com esse grande homem e maior intelectual, cuja vida sempre esteve marcada por tragédias.

De minha parte, devo dizer que tão logo alfabetizado, comecei a gostar de ler jornais, certamente por influência paterna. E a minha grande alegria, com sete ou oito anos, era ter um dinheirinho para comprar um jornal só para mim, novinho ...

E, nesse negócio de ler jornal, aprendi a gostar de Nelson Rodrigues, Antônio Maria, Stanislaw Ponte Preta, João Saldanha e outros articulistas da época. Quanto a Nelson, não me seduziam tanto os seus personagens e sim, muito mais, o próprio autor.

Salvo alguma peça que me pregue a memória, à época, Nelson Rodrigues produzia uma crônica diária no jornal a Última Hora, do jornalista Samuel Wainer, sob o título "A vida como ela é" . E, nessas crônicas, ele narrava a face oculta da então grande sociedade carioca, passando pelas famílias suburbanas e seguindo até a alta granfinagem. E Nelson não respeitava os falsos pudores usuais na época e contava do amor clandestino da esposa amantíssima pelo cunhado desavergonhado, do chefe de família religioso, provedor e respeitado pela comunidade e que costumava passar tardes inteiras em prostíbulos de luxo, dando asas à sua farta coletânea de extravagâncias sexuais e por aí seguia Nelson, alfinetando os padrões morais prevalecentes, colocando um facho de luz sobre as sombras de uma sociedade eminentemente conservadora. Reconheço que a leitura desses textos aos sete, oito anos, talvez tenha sido um tanto precoce, mas em minha casa a censura jamais se instalou, para o bem ou para o mal, e o meu pai achava engraçadíssima a minha prematura admiração pela leitura de jornais.

Bem poderia dizer que lia também Monteiro Lobato e os clássicos infantis, mas não vou fugir do tema central de hoje, o nosso Nelson Rodrigues e as razões que me fizeram ser dele um forte admirador e pouco talentoso influenciado.

Nelson adorava colocar o dedo nas feridas, futucar onça com vara curta, e manobrava isso com uma grande propriedade, com um fino e cáustico humor que o fazia único. Ele adorava "trafegar na contra-mão", defender com inteligência e agucidade ímpares o indefensável, se posicionar do outro lado do balcão, desafiar a manada, como sempre correndo na mesma direção.

Assim é que, embora fosse íntimo amigo de intelectuais de esquerda (lembro que ,então,"intelectual de esquerda" era bem um pleonasmo), Nelson se dizia um reacionário nato e hereditário e fazia troça do mundo socialista, então considerado o único caminho viável para a humanidade, pela quase totalidade do meio em que atuava. Só que o magnetismo pessoal de Nelson era de tal ordem que até comunistas históricos como o João Saldanha eram coniventes com o "direitismo" do amigo. A sua atuação na crônica esportiva, igualmente ,era notável. Torcedor do Fluminense, conseguia " ver " no time de sua paixão virtudes absolutamente fantasiosas e, com uma habilidade própria dos gênios, defendia valentemente os seus pontos de vista desprovidos do mínimo fundamento. Numa célebre discussão com outro amigo, o jornalista botafoguense Armando Nogueira, foi sendo acuado pela exibição de números e estatísticas, quando resolveu encerrar a polêmica afirmando : " Armando, se os fatos estão contra mim, pior para os fatos ! ".

Hoje, Nelson Rodrigues é uma unânimidade ( o próprio dizia ser burra toda a unânimidade ), tido como um dos nossos maiores teatrólogos e dramaturgo de talento indiscutível. Acessar e compreender a sua obra deve ser um compromisso de todos os que se interessam em conhecer a sociedade carioca e, através dela, então um modelo seguido pelo país, em boa parte do século XX.

O melhor começo é a leitura da biografia de autoria do Ruy Castro. Assim, se parte do conhecimento do autor para o entendimento das suas personagens.