quarta-feira, 15 de abril de 2009

DEUS SALVE AS COROAS


Eu me casei quando tinha 22 anos e a minha mulher 21. Os nossos pais bem que ponderaram sobre a precocidade da decisão, ambos cursando faculdades, eu já trabalhando, mas ganhando pouco e a Christina se esforçando para ganhar "algum" dando aulas particulares. Era uma época de vigilância severa sobre os namorados e qualquer "pecadito" tinha que ser cometido em breves momentos de distração materna ( aliás, da minha sogra, devo agradecer, boa parte da "distração" poderia ser atribuída a uma bondosa e compreensiva cumplicidade com a juventude. Pela educação francesa que recebeu, ela formava num grupo bem mais liberal que o padrão brasileiro predominante na época ) . De qualquer forma, viajar junto, nem pensar, uma noite fora de casa, idem. Enfim, tudo fazia por desafiar a libido dos jovens que nesse tempo acabavam sendo induzidos ao casamento como única forma de ganhar a deliciosa liberdade para amar.

Fomos morar no Leblon, num apartamento cedido em comodato pelo meu sogro, mas as benesses começavam e terminavam nessa mordomia. É muito gostoso lembrar que, às vezes, a nossa geladeira continha apenas e tão somente uns dois litros de ... água ! ( estupidamente gelada, pois a refrigeração só se concentrava nela ) . Como os sogros moravam longe ( Volta Redonda ), ligava para o meu pai e dizia : hoje à noite podemos jantar aí ? e ele ficava todo feliz com a visita, sem nem desconfiar que em boa parte ela estava sendo estimulada pela força do estomago.

Só que eu pedir dinheiro ao meu pai, jamais. Nem dado, nem emprestado. Uma questão de dignidade. Quanto a Christina pedir aos pais dela, muito menos. O que pensariam eles de mim ? só sei que, agindo assim, cheguei aos 63 anos sem que jamais houvesse pedido um centavo emprestado a ninguém, seja pai, irmão, sogros, parentes ou amigos. Questão de critério, e de educação, eu acho, pois o meu pai não escondia o maior desprezo por quem não se envergonhava de pedir dinheiro aos outros.

Mas, mesmo que só com água na geladeira, eu era extremamente feliz. No térreo do nosso prédio, havia um restaurante de primeira linha, o Buldog. Cozinha internacional muito bem elaborada, uma delícia ...

Quando a Christina estava em meses de bom faturamento nas aulas particulares, ou eu ganhava algumas horas extras no trabalho, a comemoração acontecia, ou no Buldog, ou na Pizzaria Guanabara, ou num outro restaurante mais baratinho, chamado La Molle (aliás, os dois últimos, creio que existem até hoje ).

Do restaurante Buldog, lembro de um fato que me marcou. Estavamos jantando na sua bem decorada varanda, quando estacionou um carrão preto, acho que Cadilac, daqueles que à época eram raríssimos no Rio de Janeiro. O motorista abre a porta de trás e desce um casal que bem poderia ser um avô e a sua linda neta. Recebidos com altos rapapés pelo maitre, tomam assento em uma mesa próxima à varanda . Foi quando observamos : sem essa de avô e neta .Eram namorados e muito calientes. Os olhares dos circunstantes, uns discretos, outros menos, se voltavam todos para a troca de carícias entre os dois, numa cena que a mim se apresentou quase como patética .

Foi quando me dirigi à Christina e comentei : "olha, uma coisa que eu peço a Deus é que, se vier a viver até essa idade, que não me faça perder a noção do ridículo " . Aquele senhor se orgulhava de exibir ao público, como se fosse um troféu, aquela linda moça, como se dissesse : " Vejam todos do que eu sou capaz ! ".

O tempo foi passando e, nesse particular, continuo pensando da mesma forma que quando jovem : é necessário existir uma, digamos, certa "compatibilidade" entre os casais, pois o jogo do amor exige como pressuposto a existência de uma reciprocidade de interesse, de participação, de vontade verdadeira de estar ali .

Claro que acho as gatinhas lindas, maravilhosas, sensuais e tudo o mais. Só que olho para elas com o mesmo interesse com que aprecio uma bela pintura num museu. Elas existem para a admiração, não para o desfrute. Sair disso, mal comparando, seria como jogar uma partida de tênis sozinho, numa quadra maravilhosa, raquete de fibra carbono, iluminação de mercúrio, mas a bola vai e não volta, haverá graça nisso ?

Assim é que, na vida, como na floresta, "cada macaco no seu galho", por isso registro aqui minha sincera homenagem às coroas, bonitas, charmosas, desejáveis e, principalmente, participativas .