terça-feira, 14 de julho de 2009

NÃO DÁ PARA ENTENDER...

Existe no ser humano, ou em parte deles, um traço maior ou menor de sadismo, de prazer em assistir, ou mesmo de promover o sofrimento alheio. Não vamos chegar ao tempo das arenas romanas, quando o povo se deliciava assistindo aos cristãos serem estraçalhados por leões famintos.

Vamos apenas nos deter um pouco sobre a época contemporânea e algumas "diversões" que me angustiam, embora reconheça que alguns dos seus praticantes possam até ser pessoas de boa índole em outros campos da vida. Mas, esse gosto, não vou entender nunca.

Confesso aqui a vocês, dois remorços que carregarei na consciência para o resto da vida. O primeiro, cometi lá pelos cinco anos de idade. Fui à feira com a minha mãe e tanto enchi a paciência dela que voltei para casa carregando um saquinho de papel todo furadinho e, dentro dele, um pintinho, desses que chamam ( não sei se corretamente ), "de um dia" . E, claro, queria fazer dele um novo brinquedo. Ah, queria vê-lo voar ! O bichinho não tinha asas, então ? Levei-o para o quarto de empregadas, onde havia uma cama beliche. Subi num banco e o colocava lá em cima empurrando-o para a "decolagem".

O pobre coitado tentava descer batendo asas e acabava desabando no chão. Algumas tentativas e aconteceu o que não esperava : o bicho esticou as canelas, se é que pinto tem canelas, para o meu horror e arrependimento.

Outra, foi a incursão que fiz pelo terreno da pescaria, já aí com os meus doze anos. Tanto pedi, que lá fui eu, minha mãe ( mãe sofre, não é mesmo ? ) me acompanhando, pescar numas pedras do aterro do Flamengo. O caniço era uma vara de bambu comprada numa quitanda perto de casa. O anzol ( era um só ), alguém me deu, a isca era miolo de pão e, como qualquer pescador que se respeite, uma faquinha amolada que arranjei na cozinha e uma cestinha de cipó, para acomodar os pescados... Ficamos ali, sentados numa pedra e nada... . A "isca" amolecia na água e ia embora mas, peixe que é bom, nem passava perto ! Quando a minha mãe, mesmo protegida por uma sombrinha ( que delícia sombrinha, né ? ) , já demonstrava inquietação e vontade de encerrar a pescaria, senti uma fisgada no anzol. Devia ser o peixe mais otário do oceano, se deixar cair naquela armadilha ! Eu vibrei e pimba, puxei a linha para as pedras. A minha "vítima" devia ter o quê, uns quinze centímetros ? Mas, para mim, aparentava ter um metro no mínimo. E o peixe começou a se debater, desesperado, vendo a morte de perto. Pronto ! O seu pavor me contagiou e eu gritava para minha mãe : " Solta ele, solta ele " . Eu e a minha mãe não tínhamos coragem de enfiar a mão na boca do bicho para livrá-lo do anzol. Foi quando a minha mãe pegou a faca, cortou a linha e devolveu o peixe ao seu habitat. E lá se foi ele, coitado, inaugurando, na década de cinquenta, a moda do piercing.

Dali em diante, hasteei a minha bandeira de paz com os animais e nunca mais senti a menor vontade de perseguí-los. Já tive, ainda moleque, estilingue e, depois de casado, cheguei a comprar uma espingarda de ar comprimido ( que a Christina, com medo das crianças, cheia de razão, deu logo sumiço ), mas os meus alvos jamais seriam seres vivos. Hoje, reconheço, ingressei no doce e terno mundo dos alienados e não mato barata, formiga, bicho nenhum. Está vivo ? Pois, por mim, vivo vai continuar.

Com esse inacabável "considerando", alcanço o "finalmente" e pergunto : " Como é que pode continuar existindo caça à raposa, touradas, rinha de galos, briga de cachorros pit bull, tiros em marrecos ou em outras aves, safáris ( não os fotográficos, evidente ) ? Como alguém pode ter orgulho em exibir em paredes de sua casa, tronco e cabeças de animais que assassinou covardemente ? Olha, juro por Deus, eu não pertenço a essa mesma raça humana. E, querem saber, para mim, quem sente prazer em atirar e ver cair morto um animal, se pudesse, pagaria fortunas para fazer o mesmo com seres humanos e, depois, exibiria nas suas paredes, como troféus, as cabeças dessas suas vítimas. Gostaria de ter, por apenas alguns momentos, poderes divinos que me permitissem abduzir do mundo determinadas pessoas. E os "matadores de bichos por prazer ", entre outros, correriam sérios riscos !