segunda-feira, 27 de julho de 2009

ESQUERDA, DIREITA, CENTRO...


O meu pai, médico psiquiatra e, com quase toda a sua vida dedicada à Educação, conquistado que foi para a área pelo seu maior amigo e guru intelectual, Professor Anísio Teixeira, reconhecido por consenso, como a maior autoridade no campo educacional, já produzida pelo Brasil.

O "Mestre Anísio", como carinhosamente meu pai o tratava, era essencialmente democrata, tanto que sempre foi requisitado pelas Universidades norte americanas para proferir aulas, cursos, palestras e seminários. Na época pós 64, no entanto, qualquer pregação sobre a fundamental importância da liberdade em todos os campos, especialmente o das idéias e da sua livre exposição e debate, não era muito bem vista pelos ocupantes do poder, que temiam sempre o "perigo vermelho" por trás dessas convicções liberais. Sendo assim, muitos acabavam sendo rotulados como "comunistas" pelas alas mais conservadoras do regime militar .

Para eles, só existiam dois lados, "o nosso" e "o deles" . Eram tempos do "Brasil : Ame-o, ou Deixe-o", como se amar o Brasil fosse apoiar a ditadura. No caso do meu pai, ele, decididamente não pertencia "ao nosso lado", logo ... . Esta posição lhe custou uma série de "aborrecimentos" e restrições nos seus últimos dez anos de vida.

Eu, de minha parte, tinha total entusiamo pelo combate à ditadura. Coloquei na cabeça que os militares eram os únicos e definitivos responsáveis por tudo de mau que havia no Brasil, como se o nosso país houvesse sido descoberto em 1964 e que, derrubado o regime militar, milagrosamente, nos levantaríamos do berço esplêndido e, num passe de mágica, estariam eliminados a miséria, o atraso e as injustiças sociais. Todos teriam as mesmas oportunidades e, pobres e ricos, desapareceriam do nosso cenário, dando lugar a uma única e para sempre feliz classe média ( Quanta infantilidade, meu Deus ! além do mais, que monotonia ... ) .

Aliás, hoje, com curiosidade histórica, me indago que rumo tomaria o Brasil, em 1964, caso o "golpe" ou o "movimento militar", deixo a escolha a critério de vocês, tivesse sido derrotado pelo governo constitucional de João Goulart. Será que as liberdades democráticas permanececeriam intocáveis ? Será que teríamos eleições presidenciais em 1965 ? Ou será que a esquerda mais radical exerceria uma irresistível pressão sobre Jango e poderíamos vir a ter por aqui uma ditadura de esquerda, em vez de uma ditadura de direita ? Não sei responder. Sei, apenas, que todas as ditaduras são abomináveis, assim como são os seus porões, censura e torturadores, não importando qual o seu "lado" .

Quando tentava discutir com o meu pai sobre o que então considerava "idéias avançadas" ( na verdade, restou provado mais tarde, absolutamente retrógadas ), ele sorria e me propunha ponderação, sugerindo que eu não deveria restringir meu campo de visão a apenas essas "duas alternativas", quando os caminhos deveriam ser múltiplos. Das conversas, a palavra que mais me ficou gravada, foi, sem dúvida, LIBERDADE, de idéias e de expressão, representando o primeiro objetivo a ser perseguido naquela ocasião.

A vida foi seguindo o seu curso e eu convivendo, principalmente no trabalho, ( era, então, funcionário de uma entidade, criada por iniciativa de uma ala da igreja católica ), que operava como órgão de apoio aos programas habitacionais de interesse social do BNH, e a minha área era denominada Diretoria de Orientação Social, abrigando, em especial, assistentes sociais e sociólogos, todos, naturalmente, com formação de "esquerda". Aliás, devo dizer que convivi com pessoas muito interessantes e que despertaram em mim, uma natural curiosidade intelectual. A minha chefe, a Professora mineira Tereza Aurélia A. Vidigal, era alguém que se poderia considerar como uma intelectual da melhor qualidade, além de uma figura humana preciosa e grande profissional. Eu, para me sentir integrado ao seleto grupo de trabalho e ter assuntos para dialogar com esse pessoal, via como indispensável assistir aos bons filmes, a ler os melhores livros, a não perder as peças teatrais tidas como "engajadas", e os shows musicais de "protesto".

Só que, interessante, foi essa mesma época que me colocou em contato profissional com pessoas de formação, pensamento e ideologia completamente diferentes das que caracterizavam a "minha turma" de escritório. Comecei, então, a constatar, em várias delas, virtudes que jamais poderia imaginar : inteligência, dedicação, capacidade de trabalho, idoneidade, boas intenções, caráter inatacável. Fazendo justiça a quem merece, cito, como um grande exemplo, o falecido Dr. João Machado Fortes, ex-diretor de Programas Habitacionais do extinto BNH, oficial da reserva do Exército e engenheiro. Homem extremamente conservador, com formação militar, havendo deixado o Exército face a uma séria doença, era católico convicto, a ponto de ter, ao que me lembre, nove filhos. O Dr, Fortes era um homem de desempenho profissional impecável, uma inesgotável capacidade de trabalho, uma exemplar seriedade, dedicação e inegável idealismo.

Foi ali que me deparei com um grande questionamento : a Tereza Aurélia e o Dr. Fortes, embora pessoas de correntes de pensamento absolutamente distintos, não seriam ambos admiráveis figuras ? Os dois, certamente, trafegavam por caminhos diferentes, mas perseguiam o mesmo objetivo e a ele se dedicavam no seu trabalho diário, cada qual a seu modo : contribuir para que um maior número de famílias pudesse adquirir a sua casa própria.

Dali em diante, tive incontáveis oportunidades de ratificar a impressão que me foi deixada logo no meu primeiro emprego : o importante, é a pessoa, o ser humano, o seu caráter e as suas intenções. Pena que essas pessoas, quase sempre, se sintam, face aos que pensam de "modo diferente", diante de "incompatibilidades definitivas" e isso as afastam , oferecendo plena oportunidade aos aproveitadores que existem em todas as correntes, para que se apresentem e "se sirvam" à vontade, por conta de supostas e falsas "identidades" .