segunda-feira, 15 de junho de 2009

"A PARADA GAY"


Dizem as nossas autoridades municipais ( que, segundo as más línguas, conhecem muito bem a matéria ) que a " Parada Gay " é o segundo maior evento a trazer recursos para a cidade de São Paulo, só perdendo em faturamento para a prova de Fórmula 1.

Pois é, os desfilantes já chegam a três milhões, grande sucesso de participação. Caso resolvessem promover uma " Parada Hétero " acredito que a iniciativa resultaria em retumbante fracasso e não haveria a segunda edição, por absoluta falta de interesse e público. Talvez estivesse certo o sempre lembrado Stanislaw Ponte Preta ao profetizar, há muitas décadas que, do jeito que a "coisa" estava caminhando, não tardaria a época em que o "terceiro sexo" ( assim era chamada a turma homo ) passaria a ser o "segundo". Creio, no entanto, que a realidade não é bem essa. Penso que os GLS são muito mais ativos ( no sentido original da palavra ) que os héteros, comodistas e pouco interessados em exibir suas opções sexuais.

Fato é que a efeméride merece ser homenageada com uma história muito interessante que vi acontecer. De cara, troco nomes e não cito endereços, pois não guardo em mim nenhum propósito de reavivar incêndios já apagados e feridas cicatrizadas.


Aparecida é uma moreninha clara, até que muito bem ajeitadinha e simpática, sorriso bonito e corpo bem torneado, cujas curvas estão sempre realçadas por vestidos justos e curtos. Trabalhava ela, quando dos fatos aqui narrados, como recepcionista em uma empresa de médio porte, nos Jardins .

Olhares de cobiça eram normalmente dirigidos à Aparecida, assim como alguns gracejos e galanteios. Mas ela permanecia firme como rocha, incapaz de flertar com quem quer que fosse, fiel que era ao namorado, depois noivo e, finalmente, marido, o Tonhão, mulato claro, alto, forte, boa pinta e falante, que trabalhava como uma espécie de dublê de motorista e segurança de um empresário meu conhecido.

Seguia a vida e o casal aparentava transbordar felicidade, pelo menos a se considerar os constantes telefonemas trocados diariamente entre ambos, único defeito profissional da Aparecida que, por vezes, prejudicava um pouco a qualidade do seu atendimento, atrapalhado pelas longas conversas.

Tonhão, ao que era sabido e declarado, nutria duas grandes paixões na vida : a doce Aparecida e o Corinthians, cujos jogos raramente perdia.

Foi assim que, num domingo de sol, o Tonhão deixou, logo de manhã, a Aparecida na casa da sogra, para se unir a um grupo que, num ônibus fretado, acompanharia um jogo do Timão no interior do Estado.

Almoço servido, pratos e panelas lavadas, Aparecida se esticou no sofá da sala, pensando em tirar uma confortável soneca. A televisão exibia um daqueles programas chatíssimos de domingo à tarde e, volta e meia, entrava com um flash da Avenida Paulista, onde acontecia a então ainda menos badalada Parada Gay. Olhando a tela com pouco interesse, olhos quase fechando, de repente eis que surge, dando saltinhos e reboladas definitivamente comprometedoras, ainda mais pelo conhecido shortinho curto, preto com a bainha branca e aquele escudo de clube tatuado no braço, alguém intimamente conhecido . Quem ? Ele mesmo, o Tonhão... . Um grito de espanto, o choro convulsivo, a mãe correndo a socorrê-la : o mundo acabara de desabar sobre a cabeça da pobre Aparecida ! E ela confessava entre lágrimas para a não menos horrorizada genitora : "Eu juro, ele nunca me faltou, pelo contrário, na verdade se excedia, me levando à exaustão. Nunca poderia passar pela minha cabeça, qualquer um, menos o Tonhão ! ". As lamúrias se sucederam até que, mesmo sob os protestos maternos, resolveu ir para a casa esperar o sem-vergonha para um definitivo acerto de contas.

Lá chegando, tratou de jogar em uma mala e mais em algumas sacolas, as coisas do Tonhão, atirando com raiva e de qualquer jeito, roupas e bugigangas do safado. Um quadro com a fotografia do Marcelinho Carioca, craque corintiano, foi pisoteado e teve o lixo como destino. Lá pelas nove da noite, eis que surge, alegrinho, alegrinho, entoando o bordão da torcida corintiana, " não para, não para, não para ", quem ? O próprio, feliz com uma sofrida e suada vitória do Coringão. Foi recebido em meio a um turbilhão de impropérios e tentativas de aplicação de uns merecidos tabefes. Tonhão jurava que não podia ser ele, e sim algum sósia . Narrou até alguns lances do jogo que teria assistido e nada... A Aparecida estava inflexível : " Sua bichona descarada, eu sou capaz de lhe reconhecer até dentro de um escafandro, quanto mais com aquela sunguinha e escudo tatuado no braço ! " .

Vendo-se perdido, o Tonhão mudou de tática : " Meu bem, eu lhe juro, foi só hoje ! Sei lá, fiquei curioso, resolvi dar uma espiada, mas foi só hoje " . Bem, ao que me foi dado saber, o Tonhão, dengoso como ele só, acabou sendo anistiado mas, em dia de Parada Gay, nem pensar em ver o Corinthians. O pobre coitado permanece contrito, postado aos pés da Aparecida, parecendo um gatinho angorá. Quanto aos demais 364 dias do ano, não me perguntem pelo Tonhão, que não serei eu a ficar tomando conta da vida dele.