terça-feira, 16 de junho de 2009

40 ANOS ! JÁ ?

A minha avó materna, Virgínia, era uma pessoa admirável. Conheceu o lado agradável da vida e enfrentou com galhardia a adversidade, sem que nunca lhe faltasse um sorriso nos lábios e uma fé inabalável em Deus e na sua religião. Uma vez, eu ainda bem garoto, ela já com mais de oitenta anos, lhe perguntei : " Vó, demora muito para chegar à sua idade ? " E ela respondeu : " Não, pelo contrário, num piscar de olhos eu cheguei até aqui " . Ouvi calado mas não acreditei muito naquela conversa. Para mim, então, se acabavam as férias escolares e demorava uma eternidade para que chegassem as próximas, quanto mais ...

Mas, o que teria provocado este assunto ? Explico : Um suplemento do jornal Valor Econômico coloca em sua primeira página a chamada : 40 anos da chegada do homem na lua.

E me surpreendo pensando : " Nossa, parece que foi outro dia ! " . E não é que tinha razão a avó Virgínia ?. Lembro em detalhes da ocasião . O mundo se movimentou para assistir pela TV, ao vivo e em preto e branco ( está querendo muito o jovem que acha que a televisão já nasceu a cores e com controle remoto ), aos primeiros passos do astronauta Neil Armstrong no solo lunar. Poucos foram os olhos que não lacrimejaram ao ouvir a imortal frase do herói : " São passos pequenos para o homem, mas grandes para a humanidade " .

No horário de Brasília - 23h56, do dia 20 de julho de 1969 , se deu o clímax da viagem . E, 1969 foi o ano ( 10 de janeiro ) que me casei. Com 23 anos recém - completados, me sentia adulto e um responsável "chefe de família" . Tão empolgado fiquei com a expectativa de assistir ao incrível e pleno de suspense espetáculo, que anunciei à Christina : "Hoje sou eu que faço o jantar, uma macarronada ! " . Caprichei tanto no molho à bolonhesa que, por conta da exagerada quantidade de pimenta do reino, fiz a Christina acordar no dia seguinte, com calafrios, tremedeira e uma febre de quase 40 graus . Pedi socorro a um médico nosso vizinho, Dr. Lafayette, que logo diagnosticou : " Infecção intestinal " . Enquanto isto eu, baiano de quatro costados, não sofri o menor abalo com o molho de minha autoria. Já a Christina, riscou definitivamente do seu cardápio qualquer coisa que pudesse lembrar de longe espaguete à bolonhesa, ou mesmo, carne moída.

E, como conversa puxa conversa, trago para aqui, dois fatos bem dessa época : um, o nosso regime de trabalho. A Christina, então, dava aula no cursinho pré-vestibular e depois na próprio curso de Direito da Faculdade Estácio de Sá, que iniciava os seus primeiros passos. Eu a levava de carro, do Leblon onde morávamos, até a Tijuca, onde ficava o prédio da faculdade ( rua Paulo de Frontin ). A primeira aula era às sete horas e eu, pontual como o meu pai, por precaução, acabava chegando ao destino com, pelo menos, quinze minutos de antecedência . Seguia para o trabalho, na rua Senador Dantas, no centro do Rio, e de lá saía às 17 hs, para buscar novamente a Christina que, depois de passar a tarde dando aulas em cursos diversos, voltava para a Estácio de Sá, turno da noite, das 19 hs. às 22 hs. Fato é que eu achava não valer a pena ir para casa e voltar para buscá-la (o gracinha aqui fez a arte de capotar com o meu fusca na Dutra e a Christina, traumatizada, ficou bem uns dez anos sem querer dirigir ) . O esquema, então, era o seguinte : na segunda-feira eu ia a um cinema ( Comodoro ) lá perto - fosse o filme qual fosse ,era melhor que ficar no carro. E, de terça a sexta, esperava no fusca ouvindo rádio ( talvez daí venha o meu vício de ouvir rádio ), até a hora em que a Christina saía da faculdade.

Querem saber ? A energia era tanta que, diversas vezes, ainda íamos jantar fora e namorar, em especial num restaurante baratinho ( a comida era ruinzinha, mas nem ligávamos ) que existe até hoje na rua em que morávamos, o La Molle ( rua Dias Ferreira ) . E pensar que, chegando em casa, ainda não passávamos sem celebrar o matrimônio, é um espanto ... . Por essas e outras é que não me venham com esse papo furado de "melhor idade" . Reproduzo aqui uma conversa de dois grandes escritores baianos, Jorge Amado e João Ubaldo, quando o primeiro disse para o segundo, seu amigo e discípulo : "João, quer saber ? A velhice é uma merda ! " . A gente "faz de conta" que não, brinca de se enganar, mas deixe lá que o grande Jorge Amado possuia carradas de razão .

Mas eu falei de dois fatos e fui longe contando só um. O segundo é rapidinho e merece o título de "O Cúmulo do Azar ! " . Próximo ao vestibular, as aulas extras se sucediam, inclusive aos sábados . Deste, felizmente, a Christina escapou, pois o tema do dia não era português. Um aluno, naturalmente casado, aproveitou o "habeas corpus" de aulas no sábado à tarde para, digamos, vadiar. Fichário debaixo do braço, lá se foi ele todo catito. Eis que, na rua Paulo de Frontim, onde ficava a faculdade, estava em construção o Viaduto Paulo de Frontin .Pois não é que um trecho do maldito desabou ? Foi uma tragédia, morreu gente cujos carros ou ônibus , na hora do acidente, passavam em baixo da obra, um horror ! Não é de estranhar que a família do aluno da Christina, assim como as de todos os outros que foram à aula, estava no maior desespero ( lembrem-se que na época, é claro, não havia celular ). Do infeliz não se tinha notícia, até quando o patife, a exemplo do corintiano da história de ontem, surgiu, lépido e fagueiro, saudável como nunca. Havia até quem já dava como certo o seu carro esmagado em baixo dos escombros e , ao verem o sobrevivente, exclamavam brados de alívio : " Milagre, milagre ! " . O sujeito, sem entender a razão daquele movimento todo, perguntou : " Afinal, posso saber o que está acontecendo ? " Ao que alguém lhe fez a pergunta fatal : " Aonde você estava ? " " Na faculdade, respondeu " . " E não aconteceu nada por lá ? " Não, o quê haveria de acontecer ? "

Bem, durante muito tempo, na Faculdade, só se falava no desabamento do viaduto e no colega azarado.