terça-feira, 2 de junho de 2009

O IRMÃO SEVERO

Ao colocar neste blog a história do Irmão Severo, eu estou "traindo" um silêncio de décadas. Vou fazê-lo para mostrar como nós, seres humanos, somos vulneráveis a bem engendradas "armações".

Tinha um amigo, Francisco, que era um verdadeiro expert em pregar peças nos outros. Não foram poucas as vezes que, em regime de parceria, "aprontamos" com as pessoas do nosso relacionamento.

Nenhuma dessas brincadeiras, no entanto, superou a história do Irmão Severo. Ao um de nós saber que iria receber uma determinada visita em casa, ligava para o outro e avisava : "Você vai estar em casa ? Então prepare-se, que pode ser dia do Irmão Severo". E passavamos a "ficha" inteira da visita, incluindo detalhes bem marcantes. Caso fosse a visita de um casal, passavamos as características de ambos. Um casal, no entanto, seria o limite máximo da nossa "capacidade" .

Aí, conversando com a visita, como quem não quer nada, dizia "não acreditar nessas coisas" mas que tinha tido oportunidade de conversar pelo telefone com um senhor que vivia recluso num mosteiro e que ele, incrivelmente, era capaz de não apenas identificar detalhes muito pessoais das nossas vidas, como também de oferecer sábias sugestões em respeito à orientação do nosso futuro.

O tema, normalmente, causava grande curiosidade, especialmente entre as mulheres ( que me perdoem, mulheres, a sinceridade ), em geral mais curiosas. Elas perguntavam e eu respondia, até que vinha a esperada indagação : " E como falar com Irmão Severo ? " Pronto, "a isca estava mordida". Contava que havia feito contato através de um amigo que telefonou para ele, etc., etc. Aí a nossa visita insistia no assunto, dizendo que gostaria muito de falar com o Irmão Severo. Eu, na frente dela, ligava para o amigo Francisco e dizia : " Escuta, estou aqui com uma amiga que gostaria muito de falar com Irmão Severo, você me daria o telefone dele ? " . Pronto, era o sinal que o Irmão Severo iria entrar em ação. Eu anotava um número ( do apartamento de um tio do Francisco que havia falecido e o imóvel estava vazio, em inventário ) . Tudo "preparado", dizia não saber se o Irmão Severo iria atendê-la, mas que não custava tentar. Aí, lembrava que era preciso pegar um baralho, pois a "chave" para abrir o processo de concentração do Irmão Severo, era uma carta de baralho que seria escolhida pelo " consulente". Baralho na mão, carta escolhida ( suponhamos, um dois de espadas ) eu ligava para a casa do Francisco e dizia : " Boa noite". O Francisco, de sua parte, dizia : " Copas, Ouro, Espadas... ". Conforme o previamente combinado, eu o interrompia, dizendo : " Por favor, eu poderia falar com Irmão Severo ? " . E o Francisco dizia : " Então é espadas ". Eu respondia : " Sim , um amigo me recomendou que procurasse o Irmão Severo " . Aí o Francisco começava : " Az, dois... ". Eu o interrompia, dizendo saber que estava um pouco tarde, etc." . A esta altura, o Francisco, ou melhor, o Irmão Severo, já sabia que a carta escolhida pela minha amiga era um 2 de espadas.

Aí, eu dizia para a amiga : " a pessoa que atendeu foi ver se o Irmão Severo já está recolhido" . E, logo, voltava o Francisco : "Pode passar o telefone" . Eu falava, criando um clima de suspense : "Irmão Severo ? boa noite . Um instante por favor".

A visita, presa do natural nervosismo da situação, ouvia do outro lado, uma voz grave, solene e em tom baixo : " Boa noite, minha filha. Uma pausa e : " Vejo que a sua carta é um dois de espadas ... " . Era o maior impacto. E o Irmão Severo prosseguia, falando pausamente sobre todas as características de vida e personalidade da sua "vítima". Eu levava a pessoa para um espaço mais reservado da casa, para deixá-la mais "à vontade" e voltava para a sala. Quando a visita desligava o telefone, era incrível, muitas choravam, outras estavam com os olhos esbugalhados, mas todas repetiam : " Incrível, inacreditável, vocês não têm idéia do que ele me falou ! " .

Antes que me esqueça, havia o nosso pacto de honra, que era : " O irmão Severo só oferecia bons conselhos e previa fatos positivos para o futuro " . Os amigos, querendo falar novamente com o Irmão Severo, tentavam ligar para o número da casa do tio do Francisco e ninguém atendia, naturalmente. Quando me apertavam, eu dizia : " Ele deve estar no Tibete, fica longas temporadas por lá " .

O impressionante da história era perceber como as pessoas ficavam inteiramente "entregues" ao Irmão Severo ( a lenda assumiu proporções maiores que o esperado e resolvemos " matar " o "grande leitor da mente" : " O Irmão Severo morreu, passamos a dizer às pessoas que perguntavam por ele " ) e, se não "agíssemos para o bem", sempre sugerindo calma, paciência, perdão, bondade, compreensão etc. , poderíamos mesmo fazer um estrago no "consulente" .

Muito cuidado, portanto, quando lhe vierem com histórias mirabolantes. Você pode estar sendo vítima de um "Irmão Severo" e, muito grave : " Do mal ! ".