segunda-feira, 22 de junho de 2009

HISTÓRIAS DE BANHEIRO (Recomendo não ler logo antes, durante ou, principalmente, em seguida às refeições.)


Esse tema se constitui num duro desafio pois qualquer deslize e estarei resvalando para o terreno do mau gosto, ou mesmo, de uma imperdoável grosseria . Aceitando o que poderá se constituir numa armadilha, vou enveredar por esse terreno pantanoso e contar três histórias que possuem, como entrelaçamento, essa peça muito íntima das casas que é o banheiro.

Estamos em Copacabana, numa época em que Copacabana era uma espécie de capital do Brasil. O meu amigo Francisco, morador do bairro, caminhava rumo a um cinema quando, de repente, é acometido por uma cólica intestinal, dessas semelhantes - imagino eu - às dores do parto. Logo lhe vem à sua cabeça que poderia obter socorro na casa de uma tia, residente bem perto dali. A tia, senhora de seus quarenta e poucos anos ( na época, quarenta e poucos anos já era senhora, um absurdo ), era uma espécie de severa guardiã das virtudes, do recato e da castidade familiares. Solteirona convicta, dividia o seu tempo entre os Correios e Telégrafos, de onde era uma zelosa funcionária, a família e a igreja, que a colocava como uma espécie de catequista-chefe. O apartamento da Dona Margarida, assim se chamava a protagonista do relato, era pequeno e não precisava mesmo ser grande, eis que ela morava sózinha. O prédio, no entanto, era rigorosamente familiar, ao contrário do "edifício chamado 200", em outra conversa lembrado por mim.

Mas o Francisco subiu apressado e, no limiar do desespero, tocou a campanhia. Demora um pouco a ser atendido pela tia que, finalmente, abre aquela janelinha antiga, da única porta de entrada e saída que equipava o imóvel. " Francisco ! ", exclama a Dona Margarida, com ar de quem está vendo um fantasma. "Abre tia, abre pelo amor de Deus, suplicou o meu amigo " . " Pera aí, eu vou buscar a chave " . O Francisco pulava, fingia estar lutando box, se agachava, até que, finalmente, teve a porta aberta e disparou para o banheiro. " Nossa, foi um milagre não ter acontecido o pior, pensava ele enquanto se aliviava do pesadelo ". Foi quando observou, na cortina da banheira, um tremor que lhe pareceu não ser fruto de alguma corrente de ar. Fosse eu, deixava barato. Mas o Francisco, curioso como só ele, concluída a operação que o levara àquela casa, tinha que conferir. Puxou a cortina e não se sabe de quem foi o susto maior, se dele, ou de um impecavelmente fardado oficial do nosso brioso exército que, deitado na banheira, tentava se ocultar daquela inconveniente visita.

Do banheiro mesmo, o militar avisou revoltado : " Margarida, vamos acabar com essa bobagem que ele já me viu ! " . Conta o meu amigo que, diante do constrangimento geral surgido no ambiente, ele apenas balbuciou um até logo e escafedeu-se do local, sem jamais comentar o fato, seja em seu ambiente familiar, seja com a própria tia. No que, se diga de passagem, fez ele muito bem ...



O Raul aceitou o convite para ir à festinha de aniversário de um engenheiro, colega de trabalho . Pois não é que, logo após o jantar, sentiu a mesma cólica que o nosso Francisco da história acima ? Ir embora correndo, impensável, nem a sobremesa , nem o bolo haviam sido servidos, sua retirada seria uma grosseria. E, tem mais, ir embora para onde ? Não houve alternativa e, riso amarelo nos lábios, palidez nas faces, perguntou : Por favor, o toalete ? E, o tal toalete estava longe de parecer com os nossos modernos lavabos. Pia, espelho, o vaso sanitário e, logo ao seu lado, um chuveiro com a indefectível cortina de plástico para evitar que os banhos fizessem molhar o piso do pequeno ambiente. Raul, como quase todos na época, era fumante e portava o seu maço de cigarros Minister e um isqueiro Zippo. Preocupado que pudesse macular o local com algum odor menos agradável, Raul, enquanto sentado, se preocupou em acender o isqueiro, muito eficiente na eliminação de algum possível vestígio da sua ação.

Foi quando o nosso herói se distraiu por alguns segundos, lamentando o desagradável de se ter visto obrigado a pedir para usar o banheiro, quando sentiu uma certa quentura junto ao corpo. Virou o rosto e, Pai do Céu, a maldita cortina do chuveiro ardia em chamas ! Sabe dessas horas em que a gente preferia mil vezes estar " mortinho da Silva " ? Pois foi o que o pobre Raul sentiu . E, o que fez ele em desespero ? abriu a torneira do chuveiro e, mãos espalmadas, empurrava a cortina de plástico em direção à água, até que conseguiu apagar o incêndio . Só que, os danos do acidente eram de porte razoável e não lhe restou alternativa outra que não encolhê-la num dos cantos para, muito mal e porcamente, disfarçar o estrago.

Disse o Raul que, ao sair do banheiro, a sobremesa já estava sendo servida e, para sua sorte, quase junto com ela veio o bolo do "parabéns pra você" , seguidos das suas apressadas despedidas, alegando ter que passar ainda em outra festa.

O que o Raul nunca soube, nem jamais poderia perguntar, foi como teria sido descoberto o incêndio, e se ele foi colocado pela família do amigo, com total razão, no rol dos principais e mais prováveis autores da façanha.



O Luiz Carlos, um alto executivo meu amigo, estava presente em uma festa numa belíssima mansão, pertencente ao poderoso dono do conglomerado onde trabalhava.

A casa parecia um museu de mobiliário e finíssimas obras de arte, cada uma delas capaz de fazer a alegria de qualquer catálogo dos mais requintados leilões. Smoking alugado numa das boas casas do ramo, Luiz Carlos, um tremendo boa pinta, esbanjava elegância, conversando e bebericando seu uísque em volta a uma imensa e iluminada piscina, muito bem ornamentada para a ocasião. Mas havia um problema : vindo de uma viagem de férias à Itália, quando se excedeu nas massas, Luiz Carlos lutava para perder os indesejáveis quilinhos que havia adquirido.

Sendo assim, chegou de estômago vazio - um perigo - à festa, e de estômago vazio continuou, menos em relação ao uísque que descia goela abaixo, cada vez mais rápido e farto. De repente ( quem um dia não passou por isso ? ), o mal estar fulminante, a testa e as mãos geladas e a necessidade premente de correr a um banheiro, para colocar pra fora o excesso etílico. Um garçom indicou e ele marchou, o mais rápido que lhe foi possível, em direção a um banheiro.

Não havia, felizmente, ninguém ocupando o recinto, pois a tragédia era iminente. Aberta e fechada a porta, se deu o inesperado : o uísque e a água, largamente consumidos, saíram da garganta do Luiz Carlos, como se ela fosse o emitente de um jato líquido, com propulsão semelhante àquele que vemos na fonte luminosa do Parque Ibirapuera. Por resultado, um magnífico espelho de cristal restou maculado por perdigotos, até uma altura considerável. As pequenas toalhas bordadas de linho, impecáveis e dispostas numa prateleira para servirem à festa, foram sendo usadas pelo Luiz Carlos, como "panos de limpeza" , para eliminar os vestígios do ocorrido.

Foi quando ele viu no espelho, um resto de sujeira agarrada lá em cima. Detalhista, ou melhor, perfeccionista como ele só, teve a mais infeliz das idéias : resolveu subir no vaso sanitário para alcançá-la . Acontece que o tal vaso não era desses que são encontrados por aí, em casas de material de construção. Assim como as demais peças do banheiro, era um produto que, decididamente, não foi feito para servir de escada a um homem alto, com os seus bem pesados 90 quilos e, sem nenhum aviso, despedaçou-se, fazendo o meu amigo desabar no chão, como se fosse um saco de cimento. Fraturas, felizmente ele não teve. Algumas equimoses, sim. Mas o barulhão chamou a atenção de alguém que passava, e logo um segurança batia na porta : " Por favor, alguém se machucou ? " . O Luiz Carlos não teve saída e se apresentou, dizendo : " Não sei o que aconteceu, eu sentei e "ele" , não sei porque, quebrou ... ! " .

O segurança, daí em diante, ficou postado na porta desse banheiro, informando aos que a ele demandavam, a sua interdição. E, quanto ao meu amigo, que dali saiu manquitolando, me garantiu que essa festa ficará gravada eternamente em sua memória .