quarta-feira, 17 de junho de 2009

O CURSO OBJETIVO CARIOCA

Bem, estarão indagando vocês, este troço aqui é um blog de atualidades ou um livro de memórias ? É uma mistura de tudo . Na maioria absoluta dos dias, me sento em frente ao computador e começo a pensar sobre o tema que abordarei na crônica. Como outro dia me perguntaram sobre o meu casamento, fiz uma breve retrospectiva mental das últimas quatro décadas ( não descontei os intervalos ocorridos nos últimos tempos ) e, aí, foram surgindo lembranças que acabaram por dar ensejo às narrativas. Já a parte desse espaço em que comento notícias, flui em razão da leitura dos jornais .

Ontem, contei aqui a correria dos primeiros tempos de casado. Aí, me lembrei do curso preparatório aos exames dos chamados "artigos 91 e 99" ( o primeiro equivalia ao ginásio e o segundo ao clássico ou científico ), que um dia montamos com mais dois sócios.

Como o capital dos sócios era nulo, tivemos a felicidade de conhecer os padres de uma igreja situada num bairro de classe média baixa do Rio de Janeiro. Essa igreja mantinha, durante a manhã e a tarde, uma escola para atendimento à comunidade carente da região. À noite, as salas de aula permaneciam sem uso e nos foram cedidas graciosamente pois, mesmo havendo cobrança de mensalidades ( muito baixas, naturalmente ), não deixaríamos de estar prestando serviços aos moradores da região.

Os quatro sócios trabalhavam durante o dia e às sete horas da noite, lá estávamos nós a postos, para uma jornada de aulas que ia das 19,30 hs. às 22,30 hs. Ao curso, demos o nome de Objetivo, numa absoluta coincidência em relação ao homônimo paulista, que então desconhecíamos existir, e que, ao contrário do nosso, transformou-se numa das grandes potências na área do ensino pago.
Três sócios eram também professores e eu ( meu Deus, logo quem ! ) , por total inapetência ( e incompetência ) para o magistério, assumi o dignificante cargo de "Diretor-secretário" da instituição.

Um mês antes do início das aulas, passamos os fins de semana colocando debaixo das portas das casas do bairro e distribuindo entre os passantes, um folheto dando conta da inauguração do nosso estabelecimento de ensino. Os padres, pessoas fantásticas, com um dedicadíssimo e intenso trabalho de assistência aos carentes ( a maioria ) da região, ajudaram na divulgação, entregando nossos prospectos nas missas e até mesmo anunciando a novidade em alguns sermões.

Para facilitar a vida dos que quisessem estudar, e aumentar o potencial de alunos, decidimos não cobrar matrículas, só mensalidades. Até que tivemos um movimento expressivo de interessados e, posteriormente, de alunos. Professores, além dos três sócios, foram contratados e seguimos no maior entusiasmo.

Só que, o poder aquisitivo do pessoal residente na região onde estava instalado o curso ,era muito baixo. Tínhamos entre os alunos bancários, comerciários ( a "elite" ), trabalhadores em obras e mesmo empregadas domésticas.

O responsável pelo recebimento das mensalidades e, especialmente, pela cobrança aos inadimplentes era um verdadeiro fracasso ( quem ? Eu mesmo ! ) . Não me importava de ficar com os dedos dormentes de tanto datilografar apostilas, nem de trabalhar num mimeógrafo à álcool que me deixava com as mãos inteiramente pintadas de azul. Mas, constranger aquele pessoal humilde com cobrança de mensalidades vencidas, jamais ... . Sendo assim, estabeleci na sociedade capitalista o sistema " só paga quem puder ".

Resultado, ou eu ganharia um Prêmio Nobel da Admnistração, ou o negócio não daria lucro. Infelizmente, prevaleceu a segunda hipótese. Mas não pensem que o calote era generalizado ( no estilo que pretendem aplicar nos precatórios a dupla Serra & Kassab ) . Uma boa parte pagava direitinho e, imagino, com enorme sacrifício. Só que tinhamos professores contratados, e esses recebiam seus honorários a tempo e a hora. Às vezes eu chamava um deles e dizia : " Olha fulano, estamos fazendo uma avaliação do nosso corpo docente e você se destacou como tendo um ótimo desempenho . Quero, portanto, promovê-lo a sócio do curso ! " . Ouvia, então, um invariável agradecimento e a sua opção por prosseguir humildemente como professor. Tudo não passava de brincadeira, pois ambos sabíamos que os sócios não recebiam o suficiente para cobrir a gasolina que gastavam para ir ao curso.

A nossa jornada noturna nos fazia permanecer no "Objetivo" até, pelo menos, às 23,00 hs. E, pior, os sócios-professores deixavam de dar aulas à noite ( e faturar ), por conta desse compromisso.

Por outro lado, adorávamos os padres, verdadeiros " padres de passeata " como diria o Nelson Rodrigues, mas belas e abnegadas almas, sem dúvida. Os alunos eram dedicadíssimos, esforçados e acabaram por construir uma relação muito legal com os mestres e com "este que vos fala", incapaz de "apertar" os inadimplentes. Muitos, seguramente a maioria, dos alunos foram bem-sucedidos nos exames. Conseguiram também preparar uma festa surpresa pelo "dia dos mestres" que deixou a todos absolutamente comovidos, pois além de doces, salgados e refrigerantes, houve orador-representante das turmas e até a declamação de um poema de autoria de um aluno que, à época, deveria ter seus quarenta e tantos anos e era marceneiro de obra. A reunião de sócios que concluiu por não valer a pena "abrir" novas turmas, foi muito sofrida e, para fechar esta conversa, conto dois fatos para mim inesquecíveis.

O primeiro é que o curso operava na mais absoluta informalidade. Uma noite, eu estava atendendo alguém na secretaria, que ficava num corredor lateral da igreja, quando surgiu um dos sócios, o Leonardo, aliás, um amigo queridíssimo, olhos esbugalhados, gaguejando : " O fiscal do Ministério da Educação está aqui, querendo ver toda a documentação do curso ( não havia um único papel ) " . " Pronto, estamos ferrados, pensei ... ". Fiscal nada, era o meu estimado tio Jorge, baiano em visita ao Rio, que foi com o meu irmão até o curso para nos visitar . Quase nos matou ! Outra, é para mostrar "como eram" os padres nossos senhorios. Também estava eu na secretaria, quando vi o meu personagem, no caso um dos padres, no corredor, me fazendo sinais na janela, excitadíssimo. Fui ver do que se tratava e ele disse para mim, com ar de quem comemorava um gol do Brasil numa final de Copa do Mundo : " Sequestraram o embaixador americano !!! " . Saudades daqueles tempos bicudos ...