quinta-feira, 21 de maio de 2009

QUANDO O EXTRAORDINÁRIO SE TORNA ROTINA

Peço perdão ao autor da "sacada" por não lembrar quem teve a percepção desse flagrante do comportamento humano ( provavelmente alguém do Pasquim, célebre jornal de humor e crítica ao regime militar ) : " O mais fantástico acontecimento do século XX : a chegada do homem à lua ; o mais chato acontecimento do século XX : a segunda chegada do homem à lua " .

O quê significa isso ? Muito simples : vencido o ineditismo do fato, que sempre causa comoção, a sua repetição passa a ser insossa, sendo recebida até com uma certa indiferença.

Digo isso em função do terrível drama ocasionado pelo excesso de chuvas que vem ocorrendo em nove estados do Nordeste e a sua pequena ressonância diante da mobilização nacional provocada pelo mesmo fenômeno, há seis meses, em Santa Catarina.

Para que se tenha uma idéia da dimensão de cada um dos eventos, mencionarei alguns números de cada episódio ( fonte - O Estado de São Paulo ) :

Como se vê, as chuvas no Nordeste, à exceção do número de mortos, vêm produzindo devastação muito mais extensa que a causada em Santa Catarina. Só que, em termos de mobililização pública, divulgação pela mídia e gestos de apoio e solidariedade da população, Santa Catarina foi muito melhor atendida que estão sendo os nove Estados Nordestinos. Para sul, o governo federal forneceu uma estrutura de suporte que envolveu 24 helicópteros e 4 aviões da Força Aérea e uma ajuda governamental à reconstrução, da ordem de R$ 360 milhões foi aprovada, enquanto as doações da sociedade atingiram R$ 34 milhões.

Para o Nordeste, o governo federal destacou 3 helicópteros e 3 aviões e as doações da sociedade não chegaram a R$ 4 milhões. Quanto às verbas públicas, ontem o presidente em exercício José Alencar assinou uma medida provisória prevendo a destinação da importância de R$ 880 milhões para atender ao problema da seca no sul do país e das enchentes no Nordeste .

Bem, não é demais lembrar que, restrições políticas ao Nordeste não há. O presidente Lula é nascido em Pernambuco e a sua votação no Nordeste costuma ser muito mais expressiva que no Sul. Os governadores são todos da tal "base" , para não falar da Roseana Sarney ( PMDB - MA ), cujo Estado é o mais atingido pelas fortes chuvas.

Como explicar, então, essa certa indiferença ao drama nordestino ? tenho certeza que pela repetição da mesma tragédia num curto espaço de tempo. Tivesse a situação ocorrido primeiro no Nordeste, para em seguida atingir Santa Catarina, os nossos irmãos do Sul é que estariam sendo vítimas dessa "insensibilidade coletiva" .

A confirmação do amortecimento de impacto que provoca a sucessão de fatos da mesma natureza está na questão da violência urbana. Enquanto há algumas décadas, um assassinato que fosse perpetrado com o objetivo de praticar um roubo era levado às manchetes dos jornais e assunto predominante nas conversas da população. Hoje, pessoas são quase diariamente mortas a tiros nos farois de trânsito, por conta de um relógio ou de um celular e a repercussão do fato, quando muito, ocupa três linhas num fundo de página interna dos mesmos jornais. Os sociólogos explicam essa postura da sociedade como uma auto-defesa diante do inevitável . Terrivel, não é ?