terça-feira, 5 de maio de 2009

A PASSIVIDADE DO BRASILEIRO


Assistindo a um documentário sobre os sistemas de saúde nos Estados Unidos ( público e privado ) , do cineasta Michael Moore, que, para variar, desce o pau nas mazelas norte-americanas, o que mais me impressionou foi o depoimento de um grupo de americanos residentes em Paris e que elogiaram o ótimo atendimento oferecido pela medicina pública francesa : " Aqui, o governo tem medo do povo. Nos Estados Unidos, o povo tem medo do governo. "

Aí, volto a minha memória para o que ouvi um de um amigo nissei, mas com profundas e permanentes ligações com o país dos seus pais : " O problema é que no Brasil, se houver a emissão de uma Medida Provisória obrigando que a partir de uma determinada data todos estejam obrigados a sair na rua com um pepino enfiado num determinado lugar que vocês imaginam qual seja, haveria protestos, ameaças de rebeldia, a imprensa meteria o pau, os juristas e a OAB se pronunciariam e haveria até quem visse com simpatia a medida. Mas, no dia determinado, se os proctologistas fossem convocados a proceder um exame, verificariam que a imensa maioria da população estaria cumprindo o diploma legal . O "brasileiro esperto" contaria vantagem, dizendo estar "usando", face à brecha da lei, um delicado pepino japonês. "

Confesso que tive ímpetos de reagir, declarando uma guerra particular ao Japão, aos japoneses e aos nisseis. Mas refleti um pouco e me lembrei a razão do comentário do Nishikawa : ele se referia ao bloqueio indiscriminado dos ativos financeiros feito pelo então presidente Fernando Collor de Mello ( hoje senador "da base" PTB - AL ) ao tomar posse.

Contas bancárias, cadernetas de poupança com valores expressos nas Declarações de Imposto de Renda e sua origem devidamente comprovada, dinheiro fruto de economia nos gastos de assalariados, pecúlios deixado a viúvas por maridos zelosos, " tava tudo dominado ."

Houve suicídios, AVCs, enfartes, o diabo. Mas não se ouviu falar de um vidro de banco quebrado, um carro de polícia incendiado, uma pedra atirada em direção a uma repartição pública, nada ... . Já que foi assim, lamento ter de reconhecer que a grotesca figura criada pelo amigo nissei para expressar a sua revolta, tinha um quê de razão. Imaginem o Sarkozy inventar uma "gracinha" dessas na França. Duas horas depois vai ser impossível à Carla Bruni contar os pedacinhos de Sarkozy que restarão pelas calçadas de Paris.

Pois bem. Hoje eu pego a Folha de São Paulo e leio em sua primeira página : "42% dos carros com placa de final 1 não fizeram a inspeção veicular obrigatória, cujo prazo terminou no dia 30 de abril" . Lembro a todos que os carros em questão não fazem parte daquela imensa frota de veículos caindo aos pedaços, cheios de multas, licenciamentos vencidos, seguros obrigatórios não pagos e que formam um contigente cada vez maior em São Paulo. Num tapa na cara do contribuinte, a inspeção ( "made in" prefeito Serra, executado pelo seu laranja Kassab ) veicular começou por aqui de " ponta-cabeça", isto é, "caçando" os automóveis novos, pouco poluentes, e deixando para depois as "velharias", pois elas vão mesmo é prosseguir na clandestinidade.

As ameaças para quem não se submeteu ao absurdo critério são terríveis : multas pesadíssimas, licenciamento do veículo bloqueado, risco de parar num depósito do Detran ... Ainda assim, quase metade dos proprietários de veículos novos se rebelaram contra a arbitrariedade.

Meu Deus, será que essa tomada de atitude pode ser recebida como um início de tomada de posição do contribuinte ? será um ato de defesa da própria cidadania ? tomara que sim, tomara que a ausência dos "finais dois" seja maior ainda e assim sucessivamente. Está na hora de se começar reagir contra essas pequenas ditaduras de quem está no poder e acha que pode tudo.

Vejam, nada contra a inspeção ambiental em si. Ela é necessária e deve ser feita mesmo. O absurdo, a calhordice, é o critério adotado que impõe o rigor da lei a quem está correto ( o trouxa ) e é complascente com quem trafega se lixando para a poluição promovida pelos seus veículos, que nem parados são em blitz, pois as "autoridades" sabem muito bem que apreendê-los é abarrotar mais ainda os depósitos de automóveis imprestáveis.