quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

E DE SÃO PAULO, HÁ LEMBRANÇAS?

Av. Paulista nos anos 60 e hoje

Claro que sim. Muitas e boas. Sendo as férias de fevereiro sagradas no que se refere às viagens a Salvador, sempre na casa do avô Abreu, São Paulo era um destino certo para os Natais e passagens de ano.

Partíamos do Rio de Janeiro, da antiga Estação Rodoviária da Praça Mauá, onde embarcávamos no "top das linhas rodoviárias", os ônibus da Viação Cometa que faziam a linha Rio - São Paulo, já então equipados com ar condicionado, poltronas reclináveis e outras modernidades. Depois de paradas em Itatiaia e Roseira, chegávamos a São Paulo,onde a Viação Cometa tinha seu terminal em plena Av. Ipiranga, rumando para a casa de uma das tias, irmãs da minha mãe : Zelita, Maria Antonieta e Mariita. A tradição impunha que a ceia de Natal fosse na casa da tia Mariita e o almoço do dia 25 na casa da tia Maria Antonieta. Já o jantar de 31 de dezembro (com todos acompanhando pela TV a São Silvestre e o tio Alberto descascando e saboreando sem pressa as castanhas de que tanto gostava) era sempre oferecido pela tia Mariita, sendo o almoço de primeiro do ano servido na casa da tia Antonieta que, conhecedora da merecida fama de alguns convivas ( eu e meu irmão Gustavo, como destaques ), repetia preocupada : "sirvam-se à vontade, pois tem mais lá dentro" .

Essas reuniões de família eram concorridas e animadas e, se eu gostava muito das irmãs da minha mãe, alegres e carinhosas, não podiam ser outros os sentimentos em relação aos tios afins Alberto ( Mariita ), Cotrim ( Antonieta ) e Nelson ( Zelita ) . Compareciam também a esses encontros, uns primos mais velhos da família materna: Marieta, Dulce, Alice e o italiano Aníbal, casado com Marieta e que adorava contar ao Zé Luiz e a mim, em picantes detalhes, as suas aventuras amorosas na juventude. O Zé Luiz era o único primo que regulava comigo em idade e formávamos então uma dupla da "mais alta periculosidade", sempre aprontando com as nossas brincadeiras . O tio Alberto era um homem sizudo, de temperamento amável, incapaz de falar em voz alta, ao contrário da sua mulher e cunhadas que, quando se encontravam, soltavam as vozes em algazarra e risadas que talvez só elas conseguissem entender. Alegria sim, mas com a porção italiana do sangue que lhes corria nas veias, quando o assunto envolvia determinados familiares, alguns ligeiros arrufos surgiam, logo contornados pela apaziguadora intervenção dos maridos . Do tio Nelson, com quem convivi muito proximamente durante a vida adulta, eis que a tia Zelita e ele vieram morar no Rio, me lembro que ele e o meu pai gostavam muito de turfe e, nas nossas temporadas paulistanas, iam juntos às carreiras em Cidade Jardim. Diferente do Rio, criança não podia entrar no Jockey em São Paulo, salvo engano, por determinação de Jânio Quadros. Sei que à noite, especialmente quando ambos saíam com algum lucro nas apostas, íamos comemorar na pizzaria Ue Paisano, no Paraíso, bairro onde moravam os tios. Diz o meu primo Zé Luiz que eu e o meu irmão ficávamos dando pulos para "acomodar" os fartos pedaços de pizza já consumidos, de forma a conseguir espaço para mais alguns. Por incrível que pareça, não existiam, ou se existia alguma não a frequentávamos, pizzarias no Rio de Janeiro de então. Os dias passados em São Paulo tinham, também por essa razão, um sabor especial.

Desse bom tempo , me obrigo a uma homenagem especial ao tio Cotrim, seguramente uma das pessoas mais doces, amáveis, alegres e carinhosas que conheci na vida. Esse meu tio era tão boa gente, que despendia boa parte de seu tempo criando as melhores opções para nos agradar, aí incluindo voltas no seu reluzente Chevrolet 51 pela pista do autódromo de Interlagos que, creio, devia ser de alguma forma franqueada ao público.

As recordações desse tempo surgem para mim abundantes : a missa de domingo à noite na Igreja Santa Generosa, os sorvetes da Alaska , casa que continua em plena atividade até hoje, os lindos palacetes da Avenida Paulista, então intocáveis, o Parque do Ibirapuera, inaugurado para as festividades do quarto centenário da cidade.

Lembro também de acompanhar o meu tio Cotrim em viagens feitas quase diariamente à Refinaria de Cubatão, quando ele me dizia para ficar controlando no relógio o tempo gasto para descer a serra, com exclamações de entusiasmo à cada "recorde" batido. É lógico que ele não cometia nenhuma grande imprudência ao volante mas, no meu imaginário, via o tio Cotrim como um segundo Chico Landi.

Não posso esquecer também que tendo os tios Alberto e Cotrim apartamentos de veraneio em Santos, num grande condomínio chamado Jardim do Atlântico, uma esticada por lá após as festas de fim de ano, eram frequentes. Eu adorava o mar de Santos pois, no Rio, morava em Copacabana, mar agitado, com correntezas, ondas fortes, enfim, muito perigosa. Já em Santos, eu me esbaldava em suas águas tranquilas, podia até ficar boiando, sossegado, curtindo o sol e um mar onde não se encontravam mais que pequenas marolas. Aliás, nesse particular, até hoje adoro "banho de mar" e detesto a areia grudando na pele.

Sendo o apartamento dos tios Mariita e Alberto mais amplo, era lá que nos hospedávamos. A tia Mariita carregava a fama de ser brava. Mas dela jamais ouvi qualquer palavra que não fosse de atenção e carinho. A única coisa que lhe aborrecia era uma rede que havia perto da janela da sua sala de estar e que íamos embalando cada vez com mais força, desconsiderando estar o apartamento no décimo primeiro andar. "Vazar" pela janela, então, traria consequências nada agradáveis. Mesmo assim, eu não levava a bronca merecida, apenas reiterados avisos de "cuidado", dela e da Olinda, sua auxiliar e amiga fiel. Quando abusávamos demais da paciência da tia, ela vinha com a mesma sugestão :" por que vocês não vão dar um passeio no aquário municipal ? " só que, àquela altura, já conhecíamos cada peixe pelo nome e apelido... O tio Alberto apreciava fazer longas caminhadas pela praia de areia dura . Por vezes, me esforçava em lhe fazer companhia nessas jornadas mas o que queria mesmo era ficar dentro d´água por horas a fio.

As minhas lembranças de meninice em São Paulo foram sempre as melhores possíveis, a elas não podendo deixar de acrescentar umas maravilhosas lazanhas da tia Stela, generosamente servidas na casa do tio Pedro, seu marido e irmão mais moço da minha mãe. Muitas vezes esses almoços eram seguidos por incursões ao Estádio do Pacaembu.

Fato é que, com tão gratas recordações, não pude deixar de ver um lado muito agradável ao receber um convite para trabalhar em São Paulo, mesmo trazendo grande saudade do Rio, dos parentes e dos amigos. Em São Paulo poderia ver resgatada a convivência permanente com os tios e primos de quem tanto gostava, só que, então, já numa outra fase da vida, carregando comigo algumas sentidas perdas em nosso ambiente familiar.