quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

AS ÁGUAS VÃO ROLAR...



Sofro de "baianês incurável". É um virus que se instala no organismo dos que tiveram o privilégio de vir à vida em terras baianas e do qual é impossível se livrar, nem o quero.

E, falar em Bahia, é falar em carnaval. Para mim, não bem esse carnaval de hoje, transmitido ao vivo pele rede Bandeirantes de TV. Sou mais entrar novamente no relógio do tempo e voltar à década de 50, onde cheguei aos 4 anos.

Nesta narrativa, puxada pela memória que já não é grande coisa, vou contar o que vi no carnaval de Salvador da minha meninice.

Bem, naquela época existia o chamado"tríduo momesco", ou seja, o carnaval, pelo menos em termos oficiais, durava apenas três dias e, mesmo assim, o feriado era na terça-feira para desespero do meu querido e saudoso tio Fernando que, havendo ficado viúvo com uns trinta anos, se tornou com toda a razão um grande boêmio, querido em todas as boas casas do ramo "música e mulheres" de Salvador, fã ardoroso que era de Nelson Gonçalves e suas canções sofridas.

Acreditem se quiserem, naqueles tempos, as famílias colocavam cadeiras amarradas umas às outras com arame, na calçada da Avenida Sete, nelas colando com papel o nome de seus proprietários. Por ali desfilava o carnaval baiano, os blocos, os afoxés, as grandes sociedades com seus bonitos carros alegóricos ( Cruz Vermelha, Inocentes em Progresso, Fantoches da Euterpe ) e a torcida por eles era algo semelhante à torcida pelos clubes de futebol, só que, como tudo então, sem qualquer tipo de violência. Para que se tenha uma idéia, na quarta-feira de cinzas, início da quaresma, quando fixávamos uma cruz feita com carvão na testa, as empregadas retiravam as cadeiras, absolutamente intactas, salvo se sofressem alguns danos face a uma eventual chuvarada de verão.

Surgiu por aí o "trio elétrico" que a história nos conta haver começado com uma dupla, Dodô e Osmar, montados num Ford 29 equipado com uns auto-falantes "meia-boca"e logo evoluiu para o grande Trio Elétrico Tapajós, esse um caminhão bem equipado, arrastando uma comportada multidão que o acompanhava dançando e cantando com alegria saudável.

Durante o carnaval, nos instalávamos na casa das bondosas tias do meu pai, Beata e Maria, que, junto com as suas fiéis auxiliares Joana e Helena, eram banqueteiras do tipo cinco estrelas. Elas moravam na rua do Rosário, juntinho à Avenida Sete, local estratégico para se assistir ao carnaval. E, a cada refeição das tias, adicionávamos mais uma gramas ao peso anterior. Muitas vezes, me lembro, estávamos jantando quando ouvíamos ao longe o som dos clarins tocados por cavaleiros montados em garbosos animais, abrindo o desfile de cada uma das "grandes sociedades". Corríamos para a avenida e as cadeiras da família estavam ali, esperando pelos seus donos sem que ninguém nelas ousasse sentar.

Havia, também, os bailes de carnaval e as suas matinês para a garotada. Baiano de Tênis, Associação Atlética e Yatch Club eram os grandes clubes da elite baiana. As músicas, só para citar algumas, eram Nêga Maluca, General da Banda, Abre-alas, Sassaricando, Lata D´Água, Tomara que Chova, Tem Nego Bebo, Piada de Salão e mais uma porção delas que eram lançadas todos os anos, a partir de janeiro, pelas rádios de então.

E o lança-perfume ? vendiam dois tipos ( embalagem de vidro e de metal ) e em alguns tamanhos. O odor de lança-perfume se misturava ao cheiro da fritura dos acarajés que matava a fome dos que não dispunham do privilégio de saborear os deliciosos acepipes das tias Beata e Maria.

Eu, de minha parte, prefiro curtir a lembrança desses velhos tempos e passo longe de Salvador nessa época de carnaval dos abadás, mortalhas, ou sei lá e do som insuportavelmente alto dos seus cantadores.

Por fim, uma homenagem ao Afoxé Filhos de Gandhy , formado só por homens, todos vestidos de branco, entoando seus cânticos exclusivos. Meu pai, carnavalesco-assistente, os adorava, certamente por ser um grande admirador do patrono do grupo.

Saravá Bahia, saravá Caymi seu grande cantador. Eu fico por aqui ou, ainda não sei, talvez resolva ir para Maracangalha, de chapéu de palha para convidar Anália ...