terça-feira, 24 de março de 2009

OS INIMIGOS DO HOMEM


O meu sogro era daquele tipo de pessoa avessa a badalações, festas, restaurantes e coisas do gênero. Gostava mesmo era de ficar durante o seu tempo livre em casa e, mais exatamente, em sua oficina, um anexo à casa que foi sendo equipado, ferramenta a ferramenta, durante muitas e muitas décadas. Tirá-lo dali era uma canseira, até mesmo para fazer as refeições. A sua habilidade em criar peças e aparelhos era impressionante. Ele nunca soube o que seria levar um dos seus automóveis para ser reparado em uma oficina. Toda a manutenção era feita em casa e os carros estavam sempre funcionando perfeitamente bem.

O parágrafo acima é para que se possa entender o que fez o meu sogro criar essa designação de "os inimigos do homem" : ele se referia às pessoas que não tinham ou fingiam não ter a percepção de que estavam sendo inconvenientes, chatas ou invasivas. Então, no caso dele, cito três exemplos dessa "espécie" humana : o primeiro, era o que pedia ferramenta emprestada e, quase sempre, esquecia de devolver ; o segundo era aquele que não o deixava se concentrar no seu hobbie, falando e fazendo perguntas sem parar ; já o terceiro, era o parente ou amigo que, conhecendo suas habilidades, levava para que ele "desse uma olhada" tudo quanto precisasse de conserto, do automóvel ao ferro elétrico ou liquidificador. E, dizia o meu sogro, essa turma costuma se sentir ofendida de morte se você tentar escapulir da "prestação gratuita de serviços".
Mas, vida afora, a gente se depara sempre com pessoas que usam e, muitas vezes, abusam do direito de incomodar os outros sem se dar conta.

Tive, certa vez, uma casa de campo num lugar muito aprazível. Como vizinho havia um sujeito muito simpático, alegre, boa praça. Só que eu adorava tomar sol pela manhã e ficar bebericando uma cerveja, uma caipirinha, enfim, essas coisas que normalmente se fazem nesse tipo de lugar. Depois, um belo almoço e aquela soneca ... . Pois não é que, quando eu fechava os olhos, logo ouvia uma gritaria na porta e era o vizinho chegando, fazendo a maior algazarra ? adeus soneca ... .

Havia, também, um amigo de infância que costumava ir à minha casa, levando as três ferinhas que tinha como filhos, verdadeiras pestinhas que se punham a fazer aquela zorra, a mexer nos aparelhos de som e televisão, a arranhar os móveis com os seus brinquedos, a querer se pendurar em cortinas, tudo sob os olhares de paisagem ou de cumplicidade dos pais, cuja própria casa estava sempre literalmente destruída pela ação dos lindos monstrinhos.

Um outro (não sei se sofria de insônia), mesmo durante a semana, gostava de "dar uma prosinha" comigo e ia ficando lá em casa até duas, três horas da manhã, parecendo adivinhar quando eu tinha alguma coisa importante marcada para o dia seguinte bem cedo.

E o amigo que me telefonava sempre perto da meia-noite, logo para mim que aprecio estar roncando lá pelas 10:30, 11 :00 hs. Como acordo antes das sete, sempre tive vontade de ligar para ele às seis e meia da manhã, mas me falta coragem ...

Tenho também o que me pede um carro emprestado e sempre o devolve sujo e com o tanque na reserva .

E os que adoram fazer uma encomenda ? você pode estar indo para o meio do deserto que sempre acham alguma coisa para encomendar. O pior é que, já faz tempo, tudo o que existe lá fora, existe por aqui também. A diferença está no preço, é verdade. Mas há sempre o prazer de economizar alguns trocados à custa de dar trabalho aos outros.

Eu, como sou do tipo que normalmente não tem facilidade em dizer não, costumo ser uma espécie de vítima preferencial dos tais "inimigos do homem" . O negócio é procurar não esquentar com essas pequenas coisas e relevar sempre que possível, pois é relativamente comum se encontrarem pessoas que, se por um lado incomodam com os seus pequenos defeitos, por outro possuem ótimas virtudes. Essa de "inimigos do homem" encerra, na verdade, uma brincadeira do sogro exagerando em cima daqueles que não passam, no máximo, de um tanto "inconvenientes".