sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O Dia Dos Pais

O meu pai faleceu quando tinha exatamente a minha atual idade, 63 anos. Na noite que antecedeu à sua morte, num leito do Hospital dos Servidores Públicos, no Rio de Janeiro, ( naquela época não haviam inventado ainda as UTIs ) uma avassaladora septicemia tomou conta do seu corpo e da sua mente e ele entremeava alguns momentos de lucidez com outros de delírio e inconsciência . Era um domingo à noite e a madrugada da segunda-feira, dia 26 de fevereiro de 1973.

Ao sair dos estados de ausência, agitado, ele não se cansava de expor aquela que foi a grande paixão da sua vida e perguntava, aflito : " Quanto terminou o jogo do Bahia ? " Eu e o meu irmão, não tínhamos a menor idéia, mas respondíamos : " O Bahia ganhou meu pai, o Bahia ganhou ... ". E ele, então, como que se tranquilizava com a notícia e voltava a um sono profundo, até que, num momento em que eu e o meu irmão fomos rapidamente em casa, ele faleceu, tendo apenas ao seu lado a presença e o carinho da minha mulher, Christina, que, até aquele momento, a vida havia poupado de ver morto alguém que lhe fosse próximo e ela, assim, conheceu este lado amargo da vida, sózinha, ao perceber que o peito do seu velho sogro já não mais arfava.

Uma médica entrou no quarto e, simplesmente, lhe confirmou o que ela já havia percebido, a ocorrência do óbito.

Desses últimos momentos paternos, sigo para uma regressão e chego às minhas mais remotas lembranças do meu pai. Recordo de passeios de barco em Itapagipe, Salvador, eu com uns três ou quatro anos de idade. Havia, também, uma pequena viagem de trem que, pegávamos na estação da Calçada, para irmos não sei em que lugar. Os domingos de manhã, eram sagrados : assistir a missa, seguida, depois, por uma ida ao cemitério do Campo Santo, onde eram visitados e devidamente ornamentados com flores, os túmulos do meu avô materno, Gustavo, e da minha avó paterna, Alice . Depois de cumprido esse compromisso, havia um passeio de carro pela orla de Salvador, numa camionete guiada por motorista, pois o meu pai nunca se interessou em aprender a dirigir.
As manhãs de domingo eram sempre assim. Seguia-se o almoço, muitas vezes contando com a presença das tias do meu pai, Beata e Maria e, após deixá-las em casa, no Rosário, rumavamos para o Estádio da Fonte Nova, para ver o Bahia jogar.

Em nossa casa, havia um espaço na sua lateral, que se transformava em um campinho de futebol onde, com os meninos da redondeza, jogavamos bola, mais que eu, o meu irmão, pois, à época, já deveria estar com seis ou sete anos. O meu pai ficava numa janela, assistindo aos "babas", como se dizia na Bahia, morrendo de rir das furadas e dos frangos.

Depois, as recordações seguem para o Rio de Janeiro, "rua Toneleros 42", quando surgiu, não sei saída de onde, uma nova paixão do meu pai, para competir com o futebol : o turfe ! Aliás, é bom que se diga, início da década de 50, se o turfe não chegava a ser um concorrente frontal ao futebol, já à época o "esporte das multidões", as tardes turfísticas no hipódromo da Gávea eram concorridíssimas e as corridas de cavalo ocupavam páginas dos jornais e grandes espaços nas rádios e televisão . Para que se tenha uma idéia, no horário nobre de sexta-feira à noite, havia no Rio um programa de TV com o título de "Grande Conselho das Barbadas" onde profissionais do turfe compareciam para analisar e dar os seus palpites em todos os páreos da programação do fim de semana. O futebol, então, deixou de ser "programa exclusivo", com as idas ao Maracanã e ao estádio de General Severiano ( campo e sede social do Botafogo ) , passando a se alternar com tardes inteiras na Gávea, meu irmão e eu nos incorporando à admiração do meu pai pelo grande jóquei Luiz Rigoni, o "Homem do Violino".

Há, também, a alegria das festas de fim de ano em São Paulo, onde residiam vários dos irmãos da minha mãe, e do mês de fevereiro na Bahia, época de carnaval, quando éramos sempre hóspedes da movimentada e enorme casa do meu querido avô paterno, José Abreu, um verdadeiro ídolo dos seus filhos e netos.

Depois, o grande sofrimento do meu pai com a viuvez precoce, mal entrado nos cinquenta anos e, para fugir da tristeza, como lhe recomendaram os amigos, uma longa série de congressos, conferências, palestras e cursos no exterior, fazendo com que eu e o meu irmão tivéssemos a companhia do velho, apenas de passagem, nos intervalos entre uma e outra viagem.

Seguiu-se a época em que, rapaz, já namorando, eu comecei a gostar de, volta e meia, chegar em casa de madrugada e me deparar com o meu pai, sentado na cama, me perguntando com ar de censura : " Isso lá são horas ? " . Mal sabia eu que chegaria a minha vez de fazer a mesma pergunta e também me preocupar com as saídas noturnas dos filhos.

Por fim, a estúpida morte do maior amigo do meu pai, o professor Anísio Teixeira, vitimado por uma queda em um poço de elevador, cuja porta se abriu, sem que o aparelho estivesse no andar. A morte do querido amigo e parceiro de longas e animadas discussões sobre os temas relacionados com a educação, abalou de tal forma o meu pai, que o levou a sofrer um AVC que, se não deixou sequelas a ponto de imobilizá-lo fisicamente, prejudicou o único bem que ele valorizava de fato na vida, que era a sua privilegiada capacidade intelectual . Doia, vê-lo em seus últimos anos, contemplativo, meditabundo, às vezes os olhos marejados. A morte para ele, surgiu como uma solução pois, já ali, exceto o seu infindável amor pelo Esporte Clube Bahia, que carregou consigo até os derradeiros momentos, nada mais o prendia à vida.

Bem, ao querido e saudoso pai, neste dia em que é homenageado, as minhas desculpas por todas as peças que lhe preguei e a certeza de que, para mim, foi uma honra e, mais que isso, um grande orgulho tê-lo tido como pai.